A formação de novos leitores
A formação de novos leitores é uma questão que se coloca à nossa frente diariamente. Toda vez que esse tema surge, e é um tema que me instiga de muitas maneiras, eu me coloco quase que automaticamente a trabalho. É sabido que a linguagem nos move e nos transforma. Que ela é característica indispensável para que o ser humano se reconheça enquanto tal e é o que nos diferencia de todos os outros seres viventes neste mundo. Dessa forma, podemos pensar que todos nós, humanos, lemos o mundo de uma maneira ou de outra. Pessoalmente, desconheço uma noção de mundo que não tenha a literatura em seu centro. Ela me encontrou muito cedo, quando eu era muito nova, mais nova que meu conhecimento da própria palavra escrita. Profissionalmente, escolhi outros caminhos antes de escolher as Letras.
As Letras, área formalizada do conhecimento acadêmico, me teve depois de outras escolhas. As letras, maneira quase que decidida do viver, me teve muito antes, me teve em épocas remotas. Sendo assim, parece-me que o questionamento sobre a leitura e a formação de novos leitores sempre me encontra nessa confluência entre o que me apetece subjetivamente e o que me é valioso como objeto de pesquisa e como profissional da área de Letras.
Há, neste lugar, uma afirmação da importância da leitura, estando ela em um lugar de prazer estético e também de instrumento de trabalho. Que ela, a leitura, não deva ser feita de qualquer maneira é sabido por nós. Como alguém que é extremamente grata aos livros, eu sempre desejei que se pudesse haver um espaço maior para a literatura no mundo. Porque penso que ela é um tanto assim: dá sentido aonde não o achamos, retira do que achamos. Mistura as histórias narradas (nos livros) com as vividas (as nossas).
Acho uma boa aposta essa: na palavra. Em especial, na palavra que se faz literária. E se faço uso do meu depoimento de leitora nesse blog, antes de dizer da minha experiência como profissional da área de Letras e da experiência da nossa vivência aqui na Oficina Só Português, é porque, tantos anos depois, me deparei com essas perguntas: “Por que ensinar poesia a alguém cujo ofício na vida será ser um engenheiro? Um pedreiro, um lixeiro? Um servente ou um médico?” Ou toda uma sorte de profissões que se imagina estarem afastadas da literatura. Somos todos, quando trabalhamos com o texto, o ensino e o incentivo à leitura, convocados a responder a esse tipo de pergunta.
Gosto muito de uma citação de Mia Couto em “E se Obama fosse Africano?” em que ele nos diz que “A poesia é um modo de ler o mundo e escrever nele outro mundo”. Muitas vezes, queremos dizer, quando perguntados assim: “Porque ler é importante”. Mas, por que, afinal, ler é importante? Estaríamos dando as respostas certas à essas perguntas que não param de chegar a nós, sejam como perguntas formuladas, sejam sob forma de pouca importância dada às disciplinas de leitura, aos incentivos à formação de novos leitores. É um questionamento que faço a mim e que aqui pretendo dividir com todos vocês.
Parece um consenso dizer que é preciso que se leia mais. Preocupamo-nos com o quanto os brasileiros leem pouco. Ficamos apavorados com o desdém dos nossos alunos, sobrinhos, filhos com os livros, as histórias, os romances, os grandes clássicos. Culpamos a Internet, o mundo moderno, o WhatsApp, o Facebook pela falta de interesse dos jovens pelos livros. E a pergunta que sempre me persegue é: conseguimos fazer com que esses jovens leiam? Estamos vendo a questão da formação de novos leitores da maneira correta? Dados da Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, de 2012, mostram que 75% da população brasileira jamais pisou em uma biblioteca. É um dado triste e alarmante. Quando pensamos na quantidade imensurável de conhecimento gratuito que uma biblioteca possui, é um dado desolador. Sem nenhuma dúvida. Entre o público leitor da pesquisa, apenas 12% dos entrevistados escolheram a biblioteca como fonte de busca por livros. 93% o fizeram de outras maneiras. O livro digital era do conhecimento de 30% dos entrevistados e, dentre eles, 18% já o haviam usado.
Em 2012, foi a primeira vez que o instituto contabilizou os leitores dos livros digitais. Em várias outras pesquisas de leitura, as leituras digitais ficaram em tópicos como “leitura na Internet” ou “leitura digital”. Muitas vezes, percebemos uma certa desconfiança com o uso dos e-books e os livros digitais. Fico um pouco curiosa em saber por que a leitura feita de maneira digital ainda não foi introduzida e nem contabilizada e porquê ela parece a nós uma concorrente e não uma aliada. Eu sou uma entusiasta do Kindle. Rendi-me a ele um pouco de nariz torcido, mas sentia uma certa vergonha de gostar do Kindle. Li em uma entrevista do Umberto Eco que ele também gostava e agora não sinto vergonha mais. Minha curiosidade não é sem motivos. Penso que o livro digital, os e-books, são grandes aliados e não entendo o motivo de serem tratados, muitas vezes como concorrentes. Esses são dados de 2011, mas já demonstram a força dessa nova configuração que se apresenta.
A Amazon, dona do Kindle, já vendia mais e-books que livros físicos. E há um dado importante a ser levado em conta, o preço final que chega ao leitor é, muitas vezes, muito mais acessível como é usual dos serviços online. Estaríamos, então, deixando de enxergar um grande aliado à leitura dos jovens em geral quando relegamos dados tão expressivos? Ou quando lamentamos que isso ocorra e não procuramos entender melhor esses fenômenos? Ou quando dizemos, como eu disse quando recebi meu Kindle: “mas isso não é livro de verdade!”. Várias vezes, ainda penso isso em relação à formação de novos leitores.
Estamos em uma época cheia de fenômenos. Temos, por exemplo, os fenômenos de venda de livros. Seria certo ignorar essas sagas que se tornam em impressionantes fenômenos de leitura? Será que um adolescente que tenha apreço suficiente pela leitura para ler 500 páginas de cada volume de uma grande saga (a exemplo do Harry Potter que possui esse média por volume) seja alguém que não tenha já uma habilidade de leitura que possa ser direcionada, quem sabe, para uma literatura que lhe permita maiores enriquecimentos? Por falar em Harry Potter e em literaturas consideradas de maior ou de menor valor, chamou-me muita atenção que na abertura das Olimpíadas de Londres em 2012, vimos uma Inglaterra muito orgulhosa de seus grandes feitos e de seus grandes artistas e junto a Shakespeare, houve uma homenagem a J. K. Rowling, a autora de Harry Potter.
Muitas vezes, quando penso nos nossos índices de leitura e quando penso na formação de novos leitores, me questiono se estaríamos ou não ignorando a maneira como a leitura é vinculada hoje e, se fazendo isso, não estaríamos deixando de ajudar esses jovens a aprimorar suas leituras.
Leia também: Como formar novos leitores.